A vida dos médicos privilegiados

Sou médica interna. Sou médica daquelas que demoram muito. Não entupo urgências, porque não trabalho lá, mas deve estar muita gente à minha espera, na sala onde se espera. De certeza que pensam que sou “estagiária”. Não tenho carro, vivo numa casa alugada, pago as contas (às vezes em atraso). Trabalho, estudo, vivo em constante preocupação porque tenho que estudar mais, tenho de fazer relatórios e posters e apresentações. Vivo entre exames, artigos científicos e isso sim, trabalho, muito trabalho. Ao meu lado estão outros médicos internos. Raramente adoecem.. estão lá, ganham o mesmo que eu. Estou motivada, mas menos motivada, estou lá, mas às vezes penso que devia estar noutro sítio. Às vezes chego ao fim do mês à justa. No talão diz 1800… acho…, mas chega bastante menos à conta na CGD. Não sou especialmente ambiciosa. Nem especialmente poupadora nem gastadora. Compro roupa na Zara e móveis no IKEA (dos baratos). Tenho o apartamento alugado meio vazio, mas não faz mal porque passo lá pouco tempo. Tenho uma secretária de 1,50m de largura no trabalho, que está sempre muito cheia. Tenho o novo corretor ortográfico no computador, mas irrita-me. Vou à pagina da  Ryanair quando estou pensar em férias. Mas cada vez penso menos. Não tenho animais de estimação, mas gosto de animais de estimação.  De manhã acordo mais tarde do que devia, mas chego a horas ao trabalho. Vou a pé, porque vivo na baixa (isso deve ser um luxo). Estou inscrita num ginásio ao qual raramente consigo ir. Cada vez que abro o facebook vejo salários de políticos aos quais não sei atribuir significado. Depois vejo salários de médicos que não conheço. Às vezes leio os comentários das pessoas revoltadas com o que ganham os médicos, com o bem que vivem. Eu devo ser da classe privilegiada, porque sou médica. Não tenho carro, não tenho casa própria, não tenho um iphone, porque me parece excessivamente caro. Ganho 1200 euros. Tenho 30 anos. Matei-me a estudar na faculdade, tenho o trabalho em dia, mas não sou lá muito inteligente porque me esqueci de pagar a conta da edp. Na sexta-feira cheguei às 21:00 a casa (devia ter saído às 18:00) e tinham-me cortado a luz. Tenho de me organizar melhor. Na televisão não falam dos sacrifícios, não dizem que fiquei horas a mais a fazer o trabalho que estava a menos, porque sou lenta talvez… Deve ser isso. Não fui para a night porque estava esgotada. Dormir é uma das minhas grandes prioridades. Não vou muito ao cinema, nem vou aos eventos culturais de que gostaria. Não viajo muito, nem vou jantar a restaurantes caros. Sou médica… é verdade. Médica interna,  jovem inexperiente. Daqueles que entopem urgências e custam muito dinheiro ao estado porque estão em formação… Deve ser melhor para os recém-assistentes que estão à espera do contrato para a semana há um ano… Ao longo do internato que vejo passar… só vejo as coisas piorar. Mas estou muito motivada, amanhã vou trabalhar.

Ana Cátia Morais

168 thoughts on “A vida dos médicos privilegiados

  1. O problema é muito mais simples que isso. É só comparar o que é comparável… As únicas profissões que exigem um mínimo de 10 de treino (medicina 6 anos de curso + 4 a 6 anos de especialidade + o ano comum para quem ainda o fez) e que lidam com vidas de pessoas todos os dias são médicos, juízes e pilotos. Pilotos do serviço público só militares, vamos esquecer esses.

    Comparem os médicos com os juízes em vencimento, dias de férias, regalias…

    • Mais… Parem de discutir a questão público-privado, na grande maioria das profissões diferenciadas paga-se mais no privado. A ideia de que os médicos estão em 2 sítios ao mesmo tempo hoje em dia é irreal! São literalmente meia dúzia deles. Hoje estamos no campo oposto… Se o meu horário termina as 16h mas há poucos doentes internados, não me posso ir embora antes da hora. Se estiverem muitos e só acabar as 18h, trabalhei 2 horas de borla.

  2. A vida desta senhora que é médica, não me parece pior que a de milhões de outros portugueses, nem vejo porque raio haveria de ser melhor que a vida da imensa maioria de cidadãos nacionais. Um médico inglês, alemão ou sueco, ganha mais que um médico português? E um pedreiro inglês, alemão ou sueco, ganha mais que um pedreiro português? Quanto ganha uma empregada doméstica na Alemanha?
    Em qualquer caso, a questão fulcral aqui parece ser a vida dos médicos, e não a saúde dos serviços de saúde…
    Quanto a estes últimos, só poderão ter saúde, quando aos médicos do sector público for aplicado um sistema de dedicação exclusiva. Funcionário público, formado pelas universidades públicas, pagas por todos, deve ter dedicação completa ao seu emprego. Só assim se acabará com um sistema corrupto, com empregos em várias entidades em simultaneo, com médicos que conseguem estar ao mesmo tempo em dois ou três sítios, e, finalmente, se conseguirá responsabilizar os médicos pelos seus erros. Ou premiá-los pelo seu mérito.
    Por outro lado, deixaria uma questão: Se a Ana Cátia em vez de fazer as suas compras em empresas multinacionais como a Zara ou o Ikea as fizesse em lojas nacionais, daquelas que comercializam produtos fabricados em Portughal e cujos lucros são investidos em Portugal e na economia portuguesa promovendo a melhoria das condições de vida dos portugueses, não estaria a contribuir para que também os médicos, pudessem elevar o seu nível de vida?
    Obrigado pela resposta.

    • Subscrevo Carlos. Partilhamos a mesma opinião. Obviamente que este post é sobre os médicos em particular, no entanto, essa exclusividade, com um horário de 40 horas semanais, deveria ser aplicável também a outros profissionais como enfermeiros e/ou professores por exemplo. E já chega de usarem o subterfúgio das 40 horas semanais, porque serviços de 24h para só trabalhar 2 dias todos nós gostaríamos de fazer (desde que também tivéssemos oportunidade de descansar pelo meio). O dia tem 24 horas para todos.

  3. Os médicos, como são mais exigentes, pagam às mulheres a dias 8,00€ limpos por hora. Tenho uma sugestão: A todos os estudantes que pretendam ser médicos e ganhar mais de 1.800,00€ brutos mensais, Portugal devia oferecer-lhes um passaporte gratuito, e um bilhete de comboio de ida, também gratuito, para um país à escolha, onde os futuros médicos tirem o seu curso e ganhem aquilo que corresponda aos seus ideais. Portugal ficava sem médicos? Não fazia mal, mandávamos imediatamente os doentes de avião para um dos diversos países da UE com os quais Portugal teria protocolos de cuidados de saúde, e mesmo assim e com toda a certeza, ainda ficava mais barato que sustentar toda uma classe que infelizmente e quer queiramos quer não, é composta por uma grande maioria de chulos que, ao abrigo dum SNS pago por todos, serve essencialmente para prover de clientes os consultórios, clínicas e hospitais privados.

    • Não, não e não. Ora aqui está um post carregado de mentiras provenientes de uma mulherzinha frustrada. Que pobreza de espírito.

  4. Devias olhar à tua volta para perceber o seguinte: Jovens com 30 anos como tu, com Mestrados em Engenharias, Direito, Economia, Gestão, Contabilidade, Veterinária, Auditoria, Arquitetura, etc… Alguns trabalham há 5 ou mais anos e não ganham metade do que tu ganhas e nalguns casos não arranjaram emprego na área de formação e outros nem sequer arranjam emprego. Tu, por outro lado, ainda nem acabas-te na totalidade a tua formação e já ganhas 1800 euros brutos por mês, nem sequer tives-te que procurar emprego ou enviar mil currículos e ir a cem entrevistas até alguém te ligar de volta. Provavelmente estás no mesmo estabelecimento onde sempre estives-te desde o 1º ano do curso. E por mais que imaginemos que não haverá reformas, já estás a ganhar anos de serviço e a contribuir para a tua.
    Sei que não se deve generalizar, e acredito que os médicos mais jovens não sejam tão privilegiados como outros médicos mais velhos mas ainda assim acredita que és super privilegiada e basta olhares à volta e vês milhares de exemplos de pessoas como as que referi anteriormente ou como a da professora que comentou o teu post.
    Muito por causa da tua ordem profissional, é permitido aos teus colegas mais velhos que façam “trafulhices” e mesmo sendo apanhados continuem a ser protegidos. Trabalham em vários sítios ao mesmo tempo, com a conivência dos colegas e chegam mesmo a estar em dois sítios em simultâneo, é um “dom” que adquiriram ao longo da carreira. Alguns até operam em horas extraordinárias mas no horário normal de trabalho. Fazem bancos de 24 horas dia e às vezes ainda trabalham à noite (parece piada mas não é).
    Lemos notícias nos jornais de um administrador hospitalar que afirma que bastava que os profissionais de saúde do hospital que está a gerir trabalhassem as 40 horas por semana (que a grande maioria dos trabalhadores em Portugal trabalham), que poderia dispensar facilmente 20% desses profissionais.
    Faço um pedido à tua geração de médicos. Em vez de estarem à espera da vossa altura de terem o estatuto de alguns desses vossos colegas mais velhos que fazem esses esquemas para ganharem rios de dinheiro com a saúde dos outros, denunciem essas situações.Venham a público explicar aos portugueses que na realidade, embora seja muito dispendioso, seria benéfico para o país formar mais profissionais de saúde com qualidade em vez de continuarmos a gastar milhões de euros todos os anos a formar jovens com destino ao desemprego ou à emigração. Provem aos portugueses que há médicos interessados em prestar serviço ao país, mesmo que em cidades do interior…

    • Sr. Francisco Ramos, fez muito bem manifestar o seu desagrado. Contudo, em nome do que é justo, cada um tem direito a ambicionar aquilo que bem desejar. Somos livres para escrevermos o que quisermos, onde quisermos e vendo bem, tanto a minha colega como o Sr. Francisco estão a fazer exactamente a mesma coisa, manifestar o seu desagrado num sítio de acesso público onde a informação pode ser moderada. Felizmente não vivemos num regime de comunidade em que todos ganham o mesmo independentemente do seu papel profissional na sociedade, pois creio que se desse caso se tratasse, muitos dos profissionais que estão em situação similar à da minha colega, mas sem vocação, optariam pelo cargo de menor responsabilidade possível que conseguissem encontrar. Da forma que a sociedade onde vivemos está moldada, são premiados: o conhecimento, a responsabilidade, a idoneidade, assim como quaisquer outras capacidades que um indivíduo possa ter. Aqueles que reúnam a maior quantidade de características, podem, como mercenários, fazer-se valer por elas. Infelizmente, e refiro-me a ela por experiência, a lei da oferta e da procura (profissional) aplica-se à maior parte dos recém-formados em cursos superiores, que nalguns casos, existindo em número superior à necessidade (do mercado profissional), vêm-se sujeitos a aceitar valores que nem sequer imaginaram ser tão baixos quando iniciaram os estudos, para além de ainda serem confrontados por terceiros que são uns “privilegiados” pois auferem uma quantia astronómica quando há “pessoa tal, com o mesmo curso e mais experiência, que até trabalha por metade desse valor”.
      Concluo que cada caso é um caso, e todos nós temos direito a ter uma identidade, sermos um indivíduo. O principal ainda é devermos respeitar-nos a todos e devermos dar o exemplo que nós achamos correcto.

    • Estou preocupado porque os Médicos, por lei de oferta e procura, emigram a outros países onde são retribuídos e profissionalmente melhor considerados. As Urgências estão sem pessoal. Os Centros de Saúde, sem Médicos. Acabaremos pagando 1800 euros por mês a zero Médicos.

      • Está preocupado e com razão. Todo e qualquer profissional, seja ele muito ou pouco qualificado, é certamente melhor remunerado em países do norte da europa. E por essa ordem de idéias, toda a população ativa nacional emigraria. Mas não acontece, sabe porquê? Porque a lei da oferta e da procura não o permite. Qual é a sua sugestão? Passar a pagar 5000 euros a um médico que ainda nem acabou a especialidade? O Sr. Ministro da Saúde, fruto de alguma pressão, até já vai oferecer 1000€ adicionais aos médicos que trabalhem no interior do país. Sim senhor, os médicos são privilegiados como poucas classes profissionais. Não vejo este tipo de políticas em nenhuma outra área.

      • Concordo consigo 90%. A população activa menos qualificada não tem umas condições salariais e laborais comparável as oferecidas aos Médicos no estrangeiro, além da Medicina ser igual em todo o Mondo, mas a advocacia ter enormes variáveis territoriais. Os menos qualificados sofrem grandes dificuldades de adaptação pela barreira idiomática e variáveis culturais, além de que não vejo muita procura de canalizadores (diferenciação intermédia) nos médios. A minha sugestão é, já que me pergunta, pagamento segundo desempenho medido com instrumentos não manipuláveis: Quanto mais e melhor trabalhe, mais irá ganhar. Assim, o perfil do emigrado, jovem, bem preparado e com vontade de melhora, iria ficar cá, podendo receber 10.000 euros/mês (sempre que tenha produzido 40.000). Os menos entusiastas, ao ganharem menos, é possível que procurassem oportunidades profissionais em outros Países. No UK, o salario base é de aproximadamente 8500e brutos/mes. Sim, acho que 5.000 euros a um Especialista que tenha um desempenho adequado poderia ser um bom ponto de partida (sem esquecer que deste montante, o Estado irá reter aproximadamente 40%). 3,000 euros liquidos para um Especialista ao Inicio da carreira, sempre que cumpra os objectivos marcados, pode ser um valor realista para ultrapassar a fuga de cérebros (e estes emigrantes não mandam dinheiro a casa, fazem a sua vida no país onde trabalham, pelo que nem fundos vindos dos profissionais que formamos com os nossos Impostos iremos ver).
        O Sr. Ministro da Saúde diz muita coisa. Podemos fazer uma listagem das que não têm a ver com a realidade. Irá pagar mais 1000 euros? acrescentados a que ordenado base? Com quê carga horária semanal e em quê condições? Não sei dar resposta a estas perguntas. O Médico Especialista e o Juiz têm a mesma formação. Um Major do Exército, com o mesmo nível de formação do que os primeiros, é um privilegiado? Eu vejo as coisas desde outra óptica: há muitas classes profissionais exploradas. Aí está o problema.

  5. olá Catia,
    sou já especialista, acabei em 2008 mgf e nada mudou, no inicio sim algo como cem euros a mais respeito ao ordenado de interno, agora com os cortes mais variados nem isso, ser interno ou especialista neste pais não muda nada, aaah até sou formador de internos, orientador, tenho muita estima pela minha interna e agradeço a ajuda diária que ela me dá na consulta, mas como posso dar lhe um estimulo a ir para a frente quando ela sabe que acabar o não o internato não vai ser de nenhum retorno economico para ela a menos que emigre?
    ah já agora sou italiano, na epoca aqui em prtugal as condições economicas eram melhor para os medicos agora ao gazer horas extra num Catus de urgência , sim fiz domingos, Natal , passagem de ano e tudo isto bom em Janeiro fiz as contas 7€ por hora limpos de descontos…após 6 anos de curso de medicina 1 ano de internato geral e 3 anos de especialidade…Valeu a pena? tudo vale a pena se a alma não é pequena…mas o pais precisa de medicos e deste ritmo todos irão para fora…
    ps. moro eu também na baixa no meu caso de Lisboa….tem que ser a nossa senbilidade artistica e amor pela cidade antiga que nos faz ainda dar o litro com amor e energia para os doentes e para as pesoas…

    • Sr Filipe Pereira, mostrei o meu desagrado, não referi em momento algum que a sua colega não tem direito a ambicionar mais e melhor para a sua vida profissional. Todos o devemos ambicionar. Penso que o que levou o post da sua colega a tornar-se vital foi a ironia com que ela se sente “injustiçada” porque a sociedade em geral considera a classe médica privilegiada em relação às restantes classes profissionais. Pois bem Sr Filipe Pereira, o que demonstrei através do meu coment foi que são SUPER privilegiados, porque é isso mesmo que são, pois só podemos analisar quando estabelecemos uma comparação com as restantes classes que foi precisamente o que eu fiz. Repare que não enunciei mais áreas de formação por entender que todas as que referi exigem muita responsabilidade, conhecimento técnico e científico e constante atualização, ou de repente só aos médicos é que são feitas estas exigências? O que talvez esteja a “custar” a alguns médicos mais jovens é que talvez percebam que pelo menos numa fase inicial não vão receber nenhum salário milionário, mas ainda assim recebem no início de carreira quase 3 vezes mais do que o ordenado médio em Portugal. Repito, quase 3 vezes mais!!! Obviamente que na contingência que atravessamos e com os cortes sucessivos que toda a função pública vem acumulando o vencimento por ser elevado em termos brutos desce consideravelmente. Sendo, ainda assim, bastante superior ao de muitos profissionais qualificados e com anos de experiência. Acho engraçado referir a oferta e da procura no mercado de trabalho, pois é precisamente esse o ponto que mais confusão me faz. Há, por um lado, a consciência que há falta de médicos nalguns pontos do país e nalgumas especialidades em concreto. Por outro lado, começamos a ouvir declarações de médicos que dizem que estão muito incertos em relação ao seu futuro profissional e se terão ou não vaga… Porque não abrirmos mais vagas para formarmos mais médicos em Portugal em vez de continuarmos a formar jovens com destino certo ao desemprego?… Talvez a ordem prefira manter a oferta inferior à procura, tornando assim os preços mais elevados dada a escassez dos recursos???

      • Sim francisco, tem razão: os médicos são “SUPER privilegiados”. Ora vejamos:
        – Têm de se esfolar durante o secundário para tirar 18s e 19s em todas as disciplinas e nos exames nacionais, porque contrariamente aos restantes cursos, não existe Medicina em formato politécnico ou no privado.
        – Têm de se esfolar durante os 6 anos de curso (que, por sinal, é o curso mais longo de todos) e no fim do mesmo são submetidos a um Prova Nacional de Seriação que nos obriga a estudar ao mais ínfimo pormenor um tratado de Medicina Interna (isto acontece nos restantes cursos)?
        – Têm de exercer Medicina (trabalhando frequentemente 60h semanais, aos fins-de-semana e nas férias) e ESTUDAR AO MESMO TEMPO durante os 5 a 7 anos que demora a tirar a especialização uma vez existem avaliações no final de cada ano.

        Tudo isto por 1200 euros…

        Realmente, pensando bem, somos bué privilegiados.

  6. É preocupante o que obrigam os jovens de hoje suportarem. Tenham eles 24, 28, 30 ou 35, já nem sei bem qual a faixa etária dos jovens de hoje. É revoltante olharmos para a frente e não saber como um dia vamos ter uma vida estável, com um ordenado que não nos faça arrepender dos 40€ que gastamos em gasolina para ir ver uma paisagem bonita e que para não gastar mais levamos a marmita toda que no fim estava meia estragada, mas deu para aguentar o dia e pelo menos regressar de coração bem cheio. Mas depois chega o dia 15 e começamos a pensar que no próximo mês não podemos fazer isso porque não dá, pura e simplesmente não dá! E afinal o que somos nós? Maquinas que cresceram para trabalhar e ponto final? Acho que não! Mas eu também não sou um exemplo a seguir, gosto de sair e beber uns copos, gosto de ir jantar fora a sítios novos e gosto de gastar 40€ em gasolina só porque vi uma foto espetacular do pôr do sol lá. Chego ao final do mês com pouco dinheiro e a conta poupança é uma coisa que já existiu e deixou de existir várias vezes na minha vida. Mas eu não sou médica. Eu não tive um ano de internato e 4 anos de especialidade. Eu “trabalho” há quase 4 anos e nunca sei quando vou ter trabalho ou não. De 8 em 8 meses estou no centro de emprego a pedir um subsidio que nem sempre tenho direito e aí tenho de me safar como der e sem saber quando é que irei novamente ter um ordenado. Eu não sei quando vou ter o prazer (verdadeira portuguesa!) de me queixar do trabalho, das pessoas irritantes que tive de aturar e das merdas que tive de suportar. Pelo menos vocês (classe médica), até agora, têm a garantia de ter pelo menos os primeiros 5 anos do vosso inicio de carreira garantidos, com um ordenado, mesmo que tenham sofrido muitos cortes, muitoooo acima da média dos ordenados dos jovens de hoje em dia. Eu sou professora e para além de não saber se vou ao não ter trabalho, não sei onde vou estar a viver. É muito divertido por uns tempos, conheces sítios novos, pessoas novas, mas quando é que vou poder ter uma casa arrendada para onde possa comprar mobília do ikea (não me parece que alguma vez venha a ser proprietária!). Da ultima vez que fiquei a trabalhar fiquei a quase 400 km de casa e tive de fazer as mudanças de autocarro porque não tenho carro e em menos de 24h, a mobília do ikea está fora de questão neste caso! Mas não me importava de o fazer outra vez, o meu trabalho é de facto algo que me faz feliz, é bom chegar a casa cair na cama e estares realmente cansada e não teres de dormir porque é suposto fazer isso a essas horas, mesmo sem estar cansada. Eu sei que estamos todos a passar por fases complicadas e que provavelmente a nossa geração ou vai ser muito boa por toda a merda que tem de aturar ou então é muita burra e não vai aprender nada com isto tudo e, se ainda cá estivermos e se algum dia chegarmos a procriar, os nossos filhos vão passar pelo mesmo. De qualquer das formas a classe médica ainda é uma classe privilegiada porque saírem da faculdade e receberem 1200€ é ser privilegiado, ter a segurança mínima de 1 ano + 4 anos de trabalho pelo menos é ser privilegiado.Na verdade comparada com a classe politica ninguém é privilegiado, ninguém o é. Então vamos acabar com isto das classes mais afetadas/privilegiadas e dos funcionários públicos/privados e fazer alguma coisa.Não podemos comparar pessoas que ganham 1200€ e quem ganha 500€, temos de ter sensibilidade para perceber que mesmo estando todos lixados há sempre quem esteja ainda pior, infelizmente. Não nos vamos armar em Cavacos Silvas que não sabem gerir os seus 10 mil mensais (e os restantes).Mas então se queremos mostrar alguma coisa, deixamos as diferenças de lado, os coitadinhos, e vamos partir algumas montras de bancos, ou uma das empresas das PPP’s.

    • Sim, tem razão: os médicos são “SUPER privilegiados”. Ora vejamos:
      – Têm de se esfolar durante o secundário para tirar 18s e 19s em todas as disciplinas e nos exames nacionais, porque contrariamente aos restantes cursos, não existe Medicina em formato politécnico ou no privado.
      – Têm de se esfolar durante os 6 anos de curso (que, por sinal, é o curso mais longo de todos) e no fim do mesmo são submetidos a um Prova Nacional de Seriação que nos obriga a estudar ao mais ínfimo pormenor um tratado de Medicina Interna (isto acontece nos restantes cursos)?
      – Têm de exercer Medicina (trabalhando frequentemente 60h semanais, aos fins-de-semana e nas férias) e ESTUDAR AO MESMO TEMPO durante os 5 a 7 anos que demora a tirar a especialização uma vez existem avaliações no final de cada ano.

      Tudo isto por 1200 euros…

      Realmente, pensando bem, somos bué privilegiados.

      • Oh Sr. Silva, quer que alguém acredite que quando os médicos tomam a decisão de se “esfolar”, para usar a sua expressão, o fazem com a expetativa de ganhar 1200 € ? Isso e pelo prazer de praticar medicina e ajudar os outros não?!? Não tentem fazer das pessoas parvas! Já chega! Eu tenho plena consciência de que é legítimo que cada um procure o melhor para si, o melhor emprego, a melhor remuneração, a maior realização pessoal… Isso não está em causa! O que está em causa é que a vossa classe profissional é privilegiada em relação a muitas outras em Portugal e não querem reconhecer, mesmo depois de vos explicarem várias vezes, como tive oportunidade de ver através de vários comentários a este post. Não me vale a pena perder mais tempo neste fórum, enquanto escrevi esta resposta ao seu comentário vários colegas seus, já especialistas, conseguiram dar mais uma consulta pela qual cobraram 60 € ou mais. Esses 60 € representam 10% do vencimento mensal de milhares de portugueses que trabalham 40 horas semanais e vão para casa de rastos e mesmo que queiram não conseguem trabalhar em mais lado nenhum. Só para finalizar, deixo o link para um dicionário online para que perceba o que é um privilegiado: http://www.priberam.pt/dlpo/privilégio

  7. Cátia! Sou médica interna tal como tu (perdoa-me o emprego da segunda pessoa do singular sem te conhecer pessoalmente). Todos os “privilégios” que descreveste são reconhecidos por mim. Ontem estive de urgência e hoje estou fisicamente de rastos … Mas será tudo mais doloroso se lamentarmos o que não temos, há que enaltecer o que temos. E concordo em pleno com o Diniz, mesmo que estejas exausta, dá-te espaço a pequenos luxos: não deixes nunca de ser pessoa. Porque o és muito antes de ser médica. Parafraseando a incrível Martha Graham (curiosamente filha de um neurologista!), os grandes bailarinos não são grandes por causa da sua técnica, mas por causa da sua paixão. Um grande beijinho! Um bem-haja a nós! 🙂

  8. Compreendo a cara Dra Ana Catia. Imagino a uma grande profissional a dar o seu melhor. Esta de parabéns pela força que transmite.

  9. Percebo muito bem essa situação, mas não é só a classe médica que esta assim, mas todas as classes. Os jovens licenciados deste país ganham muito abaixo da média.
    Olha a minha classe enfermagem, já viste os ordenados que nos pagam por tantas horas de trabalho. Já viste aquelas propostas rídiculas a hora? Assim como eu, andam muitos arquitetos, engenheiros, advogados… deste país.

  10. Médico de viatura médica de emergência em vila nova de gaia: preço hora:14 euros brutos – com descontos:10 euro….empregada doméstica preço hora 8 euros limpos….está tudo dito e visto!…caminhamos no bom sentido…felizmente cá estarei para tratar as vítimas da guerra civil….só espero que sejam as certas!…pais de bandalhos políticos……

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